“No riso obrigatório e no pavor”: estudos de gênero e diversidade da expressão da sexualidade no ensino de História
Ecoam por toda a sala risadas de todos
os tipos, nervosas, assustadas, curiosas, prazerosas e culpadas. O que disparou
essas risadas? No meio de uma apresentação de seminário um aluno chamou sem
querer um palavrão. Mas só isso foi capaz de provocar tanta risada? Não foi o
palavrão em si, mas a quebra de uma solenidade assexuada que provocou tanto
riso e pavor. Nosso corpo, nosso gênero e nossa sexualidade parecem e aparecem
sempre circunscritas entre o prazer e a dor, a curiosidade e o medo, o desejo e
a negação do mesmo. Cambaleamos entre oposições perturbadoras, em angústias
comuns a toda a existência humana, desde a epigênese da infância.
Sempre que falamos das angústias relacionadas ao corpo, ao gênero e a
sexualidade ligamos quase que automaticamente a toda uma classe de sujeitos
marcados pelo signo da “minoria”, gays, lésbicas, travestis, transexuais,
bissexuais e demais classes. Mas só eles tem esses tipos de angústias?
Certamente que não. Todos nós, das mais diferentes formas, somos atormentados por
essas forças que atuam de maneira tão intensa e invisível sobre nosso modo de
vestir, falar, escrever, andar, sentar, respirar, amar e ser. É dolorosa para
todas as partes, a dor do pai que expulsa o filho, a dor do filho que é expulso
pelo pai, a dor do que é obrigado a ser o que não é , a dor do que decide ser
quem é, a dor da mulher que é abandonada, a dor do homem que abandona, a dor de
quem se entrega, a dor do que se guarda, a dor do perseguido, a dor do
perseguidor, todos os choros escondidos, todas as dores da alma. Essa relação
traumática que transita silenciosa e gritante entre todos nós poderia ter algum
consolo? Onde estaria o divã?
A escola não apenas reproduz ou reflete as concepções de gênero e
sexualidade que circulam na sociedade como representação dominante, mas ela
própria é responsável pela produção dessas concepções. Os alunos aprendem desde
muito cedo a reconhecer seus lugares sociais e as aprendem por meio de
sofisticadas estratégias que dificultam o seu reconhecimento enquanto produção
de subjetividade hegemônica.
O currículo e a educação escolar são espaços diretamente afetados por
relações de poder e têm, historicamente, se constituído também como espaços
políticos. Ela tem agido por meio de políticas culturais, que são responsáveis
por estabelecer lugares que configuram os modelos e as identidades “normais” e
“patológicas”, bem como o que vem a ser o “outro”, o que acaba por se tornar
indispensável para a definição e afirmação performativa da identidade central,
indicando-lhe o que ela “não é” e quem ela não “deve e não pode ser”.
Não é apenas nas portas de
banheiros, muros e carteiras que se inscreve a sexualidade e o gênero no espaço
escolar. Ela invade por completo esse campo. As atitudes dos alunos no convívio
escolar, o comportamento entre eles, as brincadeiras e paródias inventadas e
repetidas, tudo isso exala sexualidade. Ao negar essas múltiplas manifestações,
a escola pede o impossível de ser atendido, de que os nossos alunos deixem sua
sexualidade do lado de fora da escola.
Justifica-se assim a importância do tratamento de questões relacionadas
às relações de gênero e diversidade sexual durante o processo de ensino
aprendizagem, visto que a escola
não pode mais
simplesmente encaminhar ou marcar
horário para tratar
destas questões, cabe
a ela se aprofundar
em conhecimentos científicos
historicamente construídos e
através de discussões
e reflexões oportunizar
a mudança de
atitudes a todos/as os/as
sujeitos envolvidos na educação.
Chegamos à pergunta mais importante: mas o que a Ciência Histórica tem a
ver com tudo isso? A História enquanto
Ciência oferece arsenal teórico - metodológico que vão para além das
naturalizações, que envolvem os modos como construímos nossas representações
acerca das identidades de gênero e sexualidade e que tendem à marginalização do
“outro”. O que significa que a necessidade de pensarmos nossas
identidades como construções histórico-culturais se inscreve como um elemento
fundamental para a construção de noções de cidadania abertas às relações sociais
democráticas de fato. E isso só será possível se aceitarmos o fato de que este
é um dos importantes papéis do ensino e da educação histórica.
O que acontece quando diante da angústia se coloca todo o poder da
História? Como os indivíduos munidos de conhecimento histórico se colocaram
frente a todo o riso e o pavor? De certo a História não é salvadora de almas,
não sei bem se ela pode consolar, mas sem dúvida ela dá um caráter novo às
configurações psicossociais-históricas do individuo, ela nos põem como Sujeitos
Históricos. Não somos mais seres a deriva da dor e da angústia, não controlamos
o mar revolto é verdade, mas apreendemos a usar o barco em meio à
tempestade. A História muito mais do que
uma lógica, desenvolve uma sensibilidade no Sujeito Histórico, aperfeiçoa a
capacidade imaginativa, fortalece o poder de empatia, alarga o horizonte de
experiência histórica. A História oferta para a problemática do estudo de
gênero e diversidade sexual a
possibilidade de a partir da interpretação do passado o Sujeito possa fazer e
refazer suas escolhas no presente de maneira a se encaminhar a um futuro
considerado por ele o melhor a seguir.
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