PAISAGEM, DISCURSO E EXPERIÊNCIA AFETIVA: UM ESTUDO A PARTIR DO PROGRAMA “LARGADOS E PELADOS”

Claudio Correia de Oliveira Neto
Historiador
Especializando em Educação de Jovens e Adultos no contexto da diversidade
Técnico de nível médio integrado em controle ambiental

            O programa norte-americano “Largados e Pelados” é transmitido pelo canal por assinatura Discovery, consiste em um casal de participantes que não se conhecem ser abandonado pelados em um local inóspito e desconhecido providos apenas de uma bolsa com mapa, facão e um utensilio de escolha do candidato por 21 dias. O programa ocorre em vários lugares ao redor do mundo. Em um destes episódios o local escolhido foi o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses.
            Enquanto telespectador brasileiro tive um choque com a forma como os Lençóis Maranhenses foi retratado no programa. Foi apresentado como um dos locais mais inabitáveis e de alto nível de dificuldade para a sobrevivência, a tal ponto que uma participante não conseguiu suportar o prazo do programa, passou mal e necessitou ser hospitalizada.
            O trauma inicial foi substituído por reflexões e questionamentos. Como sobre uma mesma paisagem se colam discursos tão distintos? Como estes discursos afetam a experiência afetiva com o local? Como paisagem e discursos constroem uma identidade local tão naturalizada que causa espanto a descoberta de um outro discurso sobre tal paisagem?
            Simon Schama na obra “Memória e Paisagem” nos mostra que na paisagens há uma abstração que transforma estes lugares em experiência. É a cultura que elabora a visão do homem sobre determina paisagem, a ordenando e preenchendo de sentido (SCHAMA,1945). A paisagem não se coloca como tal, em si mesmo o lençóis maranhenses não se colocam como inóspito ou turístico, é o homem por meio de seus signos e sentidos que a adjetivam assim de acordo com seus interesses (SCHAMA,1945) (ALBUQUERQUE JUNIOR,2011). Só assim é possível explicar dois discursos opostos sobre um mesmo lugar.
 A cultura brasileira e a norte-americana elaboram olhares distintos sobre os lençóis, visões que disputam o imaginário e as percepções sobre o espaço. Uma pessoa que entrou em contato com o Parque Nacional enquanto área turística terá uma experiência afetiva diferente dos participantes do reality que foram levados a entender aquele espaço como inospitaleiro. Os discursos guia as experiências. As linguagens e experiências com ela constroem os espaços imaginários e práticos (PEIXOTO, 2011).
            O estranhamento com a visão do programa sobre o Parque Nacional só ocorre porque na construção da identidade nacional houve um processo de naturalização daquele espaço enquanto paradisíaco e hospitaleiro como o é no imaginário todo o Brasil. A produção dessa identidade necessita do apagamento do processo de produção de maneira tal que pareça que sempre foi assim e que aquele discurso é o único possível para aquele local (PEIXOTO, 2011). Mostrar uma visão distinta daquela é denunciar nossa fabricação, o que traz um sentimento amargo de ter sido enganado. Além disso as identidades operam com a construção de um acervo imagético-discursivo que serve de repertório para uma referência comum de paisagem para o Brasil (ALBUQUERQUE JUNIOR,2011). Acervo este formulado a partir de várias mídias e saberes, como o cartográfico, que são utilizados de forma pedagógica para construir uma unidade em torno da diversidade, através de uma relação de poder-saber que liga a representação dominante do centro as representações subalternas da periferia (PEIXOTO, 2011).
            Assim o episódio de “Largados e Pelados” nos auxilia a pensar sobre como paisagem, discurso e experiência afetiva moldam identidade e alteridades num processo de naturalização e estranhamento.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE Junior, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 3. Ed. São Paulo: Cortez; Recife: Massangana, 2006. Introdução; p. 29-49 e cap. 2: Espaços da saudade (p. 78-194). (a construção regional do espaço)
SCHAMA, Simon. Paisagem e memória. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. Introdução, p. 9-40. (categorias para pensar natureza e arte e a representação)
PEIXOTO, Renato Amado. Cartografias imaginárias: estudos sobre a construção do espaço nacional brasileiro e a relações História & Espaço. Natal: EDUFRN, 2011, p. 11-48; 69-83; 111-156.
COMO REFERNCIAR ESTE ARTIGO?

OLIVEIRA NETO, Cláudio Correia de. PAISAGEM, DISCURSO E EXPERIÊNCIA AFETIVA: UM ESTUDO A PARTIR DO PROGRAMA “LARGADOS E PELADOS”. 05 fev. 2017. 

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