História do Trabalho: antídoto para a ideologia do trabalho
Por Cláudio Correia de Oliveira Neto
Historiador – UFRN
Técnico de Nível Médio Integrado em Controle
Ambiental – IFRN
Mestrando em História – UFRN
Bacharelando em Ciências Sociais – UFRN
O
Trabalho como aquilo que dá sentido à vida e que dignifica o homem é uma
invenção muito recente na história humana. Na mitologia greco-judaíca-cristã o trabalho é
sempre um castigo. No pentateuco, mais especificamente no livro de Gênese o
trabalho é a pena a qual os seres humanos são condenados pela quebra da aliança
com deus. Nas narrativas míticas gregas e romanas a figura do deus do trabalho
é bem significativa. Seja Hefestos no mundo grego ou Vulcano no mundo romano, o
deus do trabalho é uma figura feia, peluda e manca. Toda a estética da
população mais humilde forma a imagem do deus que representa o trabalho. De tão
insignificante nem mesmo tem o direito de frequentar o monte Olimpo ainda que
seja ele o primogênito dos líderes dos deuses. Outra característica que rodeia
o trabalhador é a do ardiloso vingador. Hefestos para vingar-se da mãe que o
jogou do Olimpo para a terra criou uma armadilha em forma de um lindo trono. Ao
sentar no trono Hera fica presa e só é libertada quando entra em acordo com o
deus artesão. O trabalhador no mundo antigo é uma figura ardilosa, vingativa e
indesejada.
A
própria história da palavra trabalho nos dá indícios do desprezo dos antigos. É
o instrumento de tortura tri palius
que será o genitor da palavra trabalho. Aqueles que não tinham como pagar suas dívidas
eram colocados no tri palius durante
o período máximo de uma semana para a humilhação pública e castigo físico.
Até
mesmo na Idade Média o trabalho ainda era mal visto, mas já começa a ocorrer
uma diferenciação havia profissões licitas e ilícitas. Começa uma
hierarquização do trabalho. Não é à toa que a igreja ao esquematizar a
estrutura social dividem o mundo em os que oram, os que guerreiam e os que
trabalham.
É
a modernidade que gesta a ideia do trabalho como algo bom. A conjuntura
política, econômica e religiosa vai favorecer o discurso Calvinista que serve
aos interesses burgueses de tornar legitimo a atividade comercial fará com que nasça
a ideia do “trabalho que dignifica o homem”. Não esqueçamos que neste mesmo
período começa o sistema econômico do mercantilismo que necessita da força de
trabalho e do consumo para obter lucros. O espirito do capitalismo e a ética
protestante são a junção perfeita para positivar o trabalho e dá a ele um novo
sentido. A medida que o mercantilismo vai dando lugar ao capitalismo industrial
e posteriormente ao capitalismo financeiro fica cada vez mais necessário
colocar o trabalho como centro da existência humana. Começa uma operação para
sairmos do sentido de existência da celebração para o sentido da existência do
trabalho. As mais variadas instituições começam a produzir uma ideologia do
trabalho.
Ideologia
do trabalho é o conjunto de práticas e discursos que vai naturalizar o trabalho
enquanto inerente ao homem. Começa a se difundida, por exemplo, a ideia que a
diferença entre o homem e os animais ocorre porque o homem trabalha. O trabalho
passa a ser visto como parte da essência humana e sem a qual não é possível dá
sentido à existência terrena. A
ideologia do trabalho sacraliza, naturaliza e eterniza o trabalho impedindo que
as pessoas percebam que nem sempre o trabalho foi valorizado como é hoje e que
é possível outros modos de existir. A ideologia do trabalho também opera no
sentido de estamentar as relações de poder e manter o status quo de opressão. Qualquer sujeito que desafie a ideologia do
trabalho é coagido e marginalizado sobre o termo pejorativo de vagabundo.
A
ideologia do trabalho acaba gerando situações esdruxulas como aceitar crianças
e idosos trabalhando, com o discurso de que é bom trabalhar por dá sentido à
vida. Apagando a possibilidade de construção de outros sentidos. É melhor
crianças que trabalham e não estudam, idosos que trabalham e não ficam em casa
ociosos porque é melhor o trabalho do que o manto de vagabundo.
É
preciso historicizar o trabalho, problematiza-lo, denuncia-lo como ideologia
para pensarmos em outras formas (re)existências e sentido de vida. Embora o título pretensioso
deste ensaio, sei que não é fácil desnaturalizar o trabalho, mas espero que
este texto tenha potência para iniciar o processo.
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