O Advento da Modernidade



      Neste capítulo apresentaremos uma visão genérica sobre um período da história da Europa Ocidental conhecimento como a Idade Moderna. Não pretendemos esgotar o tema, mas apresentar alguns fatos importantes que nos permitam, posteriormente, iniciar a discussão sobre a colonização portuguesa no Novo Mundo. Discutiremos, portanto, o período transcorrido entre os séculos XV e XVI na Península Ibérica, buscando entender o universo cultural, político , social e econômico, ou, em outras palavras, entender como viviam, pensavam e se organizavam os homens daquela época.
NOVO MUNDO é o termo utilizado para designar a América, descoberta pelos europeus no século XVI. O termo funciona como contraponto a Velho Mundo, expressão pela qual eram conhecidas Europa, África e Ásia. Esses termos veiculam uma carga ideológica que revela a visão dos colonizadores - que acreditam ser os donos da verdade e detentos do conhecimento - em relação aos Ameríndios, a quem julgam povos ignorantes.
      A Península Ibérica vivia nos séculos XV e XVI uma profunda transformação, resultado de fatores internos e externos à região. Internamente vivia-se a expansão cristã contra os muçulmanos - a Guerra de Reconquista - possibilitando a formação de reinos cristãos, que viriam a estar nas bases da formação dos Estados Nacionais Ibéricos e de suas políticas expansionistas. Externamente, na Europa Ocidental as mudanças avolumavam-se num processo historicamente conhecido como o advento da modernidade.  


A modernidade
     Chamamos de modernidade o conjunto de transformações que se inicia a partir do século XV e que estende até o século XVIII, envolvendo aspectos culturais (o Renascimento), políticos (o surgimento dos Estados Nacionais Absolutistas) e econômicos (o Capitalismo Comercial.) 

O Renascimento
     O início da Idade Moderna (século XV e XVI) é marcado por um forte desenvolvimento cultural - comumente chamado de Renascimento -, cujas raízes encontram-se nas novas condições econômicas e sociais da Europa no período. O desenvolvimento da burguesia e do comércio nas cidades foi um importante elemento propulsor da produção intelectual. A rica burguesia visava a sua autopromoção e através do mecenato financiava vários artistas e intelectuais.
     Outro elemento importante que contribuiu para o Renascimento foi o Humanista. Preocupados com a introdução de novas ciências nos currículos das universidades, tais como História, a Filosofia, o estudo de línguas e a Matemática, os humanistas resgatam valores da Antigüidade Clássica (greco-romana) e propuseram uma reflexão sobre as condições sociais em que viviam, a partir de uma nova visão de ser humano: uma visão antropocentrista, individualista, racional e impulsionadora do progresso.
 O local em que se iniciou o movimento cultural foi a Itália, onde a exclusividade do comércio de especiarias do Oriente proporcionou um grande enriquecimento de algumas cidades. Em seguida, o Renascimento espalhou-se por várias Regiões da Europa, acompanhando o avanço mercantil e influenciando os setores artísticos, literários e científicos com técnicas inovadoras. A ciência procurava explicar o mundo através de novas teorias, contrapondo-se às interpretações religiosas do período feudal.
     Todo esse desenvolvimento cultural, no entanto, deve ser relativizado, uma vez que o Renascimento foi um movimento elitista. Naquele tempo a convivência entre a ciência e a superstição ainda era muito perceptível. Segundo a historiadora Laura de Melo e Souza (...) "enquanto as elites redescobriam Aristóteles ou discutiam Plantão na Academia Florentina, a quase totalidade da população européia continuava analfabeta (...)".
     A mentalidade supersticiosa pode ser verificada nos diversos relatos sobre o cotidiano dos Homens europeus da época, nos quais comumente apareciam monstros e seres imaginários como os citados nas cartas dos primeiros viajantes e nos diversos mapas dos catálogos do final do século XV e começo do século XVI.
Ainda assim, podemos afirmar que o Renascimento Cultural, somado ao Renascimento Comercial, ao Renascimento Urbano e ao surgimento dos Estados Nacionais, contribuiu para a afirmação dos valores da burguesia em ascensão.
     Quanto mais fortalecida a burguesia de uma região, maior tornava-se o interesse pela criação de unidades fiscais, monetárias e de mercados. Esse mesmo interesse levou à criação dos Estados Nacionais Modernos.


MECENATO foi o nome dado à prática de financiamento de artistas, filósofos e estudiosos em geral por ricos burgueses, os mecenas. O termo originou-se do nome de um estadista romano chamado Mecenas (60 a .C. - 8 d.C), protetor de artistas e homens de letras.
ANTROPOCENTRISMO é o nome dado as sistema ideológico que considera o homem como centro ou medica do universo, sendo-lhe, por isso, destinadas todas as coisas.

 

O Estado Nacional Moderno
     Com o enfraquecimento da nobreza feudal tornou-se viável a associação entre monarcas - nobres de maior prestígio regional - e setores da burguesia. A troca de benefícios econômicos de um lado e de benesses políticas de outro fortaleceu os laços de dependência mútua entre a nobreza e a burguesia.
     Os monarcas buscaram cada vez mais a centralização política como forma de diminuir as restrições feudais. Isso implicava a retirada de poder dos senhores feudais por mecanismos violentos em alguns casos, e na maioria das vezes, por concessões de privilégios à nobreza, tais como sua admissão na vida das cortes e a cessão de cargos públicos bem remunerados.
     Com o acirramento da crise feudal, um número cada vez maior de nobres submetia-se a essa situação fortalecendo ainda mais os monarcas. A centralização viabilizava os interesses burgueses, e o aumento dos lucros mercantis, por sua vez, significava mais impostos para o monarca, que ampliava assim sua capacidade de negociação com a nobreza.
     "A unificação política significava também a unificação das moedas e dos impostos, das leis e normas, pesos e medidas, fronteiras e aduanas. Significa a pacificação das guerras feudais e a eliminação do banditismo das estradas. Com a grande expansão do comércio, a monarquia nacional criaria a condição política indispensável à definição dos mercados nacionais (...)" (N. Sevcenko) unidos em interesses, corte, burguesia e monarca definiam o Estado Nacional Moderno: nobiliárquico, mercantil e absoluto.
 

O Mercantilismo e as expansões marítimas
     Para compreendermos a inserção da colonização brasileira na história do mundo europeu, precisamos notar que ela acontece como conseqüência de um processo de desenvolvimento econômico mais amplo: o Capitalismo Comercial, também conhecido como mercantilismo.
 
     O mercantilismo foi a política econômica do Estado Absolutista e visava ao fortalecimento do poder do Estado. Foi a partir do mercantilismo que se deu a conexão entre a dimensão política (Absolutismo) e a vida econômica (Capitalismo Comercial). Cinco elementos básicos compunham a política mercantilista:
  1. Metalismo: política de acúmulo de metais preciosos (ouro e prata), em que o índice da riqueza era medido pela quantidade de metal que o país possuía.
  2. Balança comercial favorável: caracterizava-se pelo superávit da exportação em relação à importação, obtido pela prática de vender mais caro e em maior quantidade e comprar mais barato e em menor quantidade.
  3. Medidas protecionistas: adoção de políticas protetoras em relação a certas atividades econômicas através dos quais o Estado, com o aumento das tarifas alfandegárias, procurava diminuir as importações, visando ao superávit econômico.
  4. Incentivo às manufaturas.
  5. Sistema Colonial: sistema em que o enriquecimento da economia pressupunha a posse de colônias. Na relação entre metrópole e colônias, o papel desta última estava claramente definido: a colônia existia para enriquecer a metrópole e suas atividades comerciais eram controladas exclusivamente pela metrópole.
  O mercantilismo, como o próprio termo explícita, foi um sistema econômico baseado no lucro obtido nas trocas de mercadorias, ou seja, no comércio. O sistema sobrevivia, por tanto, de continuas compras e vendas e o acumulo de riquezas - entesouramento - significava uma maior capacidade de ampliação do negócios, dos lucros e, consequentemente, do poder.
     A burguesia, dessa forma, diferenciava-se da nobreza (elite econômica medieval), já esta controlava as terras e sua produção, enquanto aquela preocupava-se com o comércio.
     Poderíamos então nos perguntar: Qual o tipo de comércio mais lucrativos de todos? Qual a transação comercial em que poderíamos ter o lucro que quiséssemos, no limite do impossível?
     Com toda certeza essa transação seria aquela em que vendêssemos um produto muito especial, pelo qual todos se interessasse, e do qual fossemos os únicos fornecedores.

O Monopólio das Especiarias


     O exclusivismo comercial - monopólio - estava obviamente ligado ao comércio de mercadorias que vinham de longe. Seria impossível monopolizar o comércio de batatas ou de carne de porco na Europa, já que tais produtos era facilmente controlados.
     Por isso eram comumente chamadas de especiarias as mercadorias que chegavam do Oriente: seda, porcelana, pimenta do reino, chá, etc. Produtos conhecidos e cobiçados havia muito tempo pelos europeus.
     Até meados do século XV, o comércio com o Oriente acontecia através de rotas marítimo-terrestres que partiam principalmente da China e da Índia, e que, em caravanas de mercadores árabes, cruzavam todo o Médio Oriente até chegar aos entrepostos comerciais do Ocidente, entre os quais se destacavam Constantinopla e Alexandria. A partir dessas regiões, o comércio passava a ser controlado por burgueses de algumas cidades italianas, como Florença, Gênova e Veneza, entre outras. Não por acaso, essas cidades foram os centros renascentistas dos séculos XIV, XV e começo do XVI.




 
     Em 1453 - marco histórico do fim da medievalidade - o Império Turco - Otomano conquistou Constantinopla e passou a controlar toda a costa leste do Mar Mediterrâneo. Sendo inimigos políticos, militares e religiosos dos europeus, os invasores acabaram de impedir o comércio de especiarias pela rotas habituais. 


As expansões marítimas
     Nesta mesma época - meados do século XV - outras regiões da Europa também possuíam estruturas mercantis desenvolvidas, não tão ricas como as das cidades italianas, mas com burguesia economicamente poderosa. Entre elas podemos mencionar a Península Ibérica, e especialmente      Portugal, onde a burguesia das cidades de Lisboa e do Porto, intermediadoras do comércio do Mediterrâneo com o norte da Europa a longo tempo, havia conseguido grande acumulo de riquezas e prestigio.
     Com o fim do comércio da especiarias pelo Mediterrâneo, surgiu o interesse na busca de uma nova rota para o Oriente, através do então conhecido Oceano Atlântico.
     Contudo, seria errôneo imaginar que aventureiros entrassem em pequenas embarcações e saíssem para o "infinito" totalmente desconhecido sem nenhuma orientação. Na verdade, a expansão marítima e a busca de novas rotas comerciais aconteceram dentro de um projeto que envolveu o investimento de volumes enormes de capital, de tecnologia e de tempo. Investimento este que naquela época não poderia ser realizado pela iniciativa privada e individualizada, mas apenas pela ação estatal.
     Portugal, que nessa época já constituía um Estado Nacional organizado e fortalecido, foi pioneiro nesse processo. A localização geográfica privilegiada e principalmente os investimentos estatais fizeram em que os portugueses fossem os primeiros a desvendar o Atlântico.
     Mas você poderia perguntar: Por que o Estado se interessou em investir tanto nesse projeto, seus beneficiados seriam os burgueses?
     Não se esqueça de que o Estado Moderno Absolutista se mantinha economicamente com os impostos cobrados sobre as estruturas mercantins. Uma nova rota para o Oriente significaria não apenas enormes lucros para a burguesia mas também maiores arrecadação para o Estado, para o Rei e para a sua Corte.
     Assim, o Estado português investiu no desenvolvimento de tecnologias náuticas, de instrumentos para facilitar a navegação em mar aberto, na construção de navios cada vez mais adequados às necessidades e na formação de mestres de navegação. Segundo alguns historiadores, o principal centro de pesquisa e formação portuguesa teria sido a Escola de Sagres, grupo financiado pelo Rei Dom Henrique, que reunia alguns do maiores astrônomos, cartógrafos e pilotos da Europa. Embora, a existência dessa escola esteja sendo atualmente questionada (veja texto complementar), mantém-se a certeza do interesse do Estado em financiar tecnologia voltadas para a expansão ultramarina.
     A expansão começou pela conquista de Ceuta (1415), num momento em que os interesses comerciais eram ainda confundidos com as guerras religiosas contra os muçulmanos. A partir de meados do século, no entanto, a idéia de uma nova rota para as Índias foi ganhando consistência e os portugueses começaram a navegar cada vez mais ao sul. Em 1471, cruzaram o Equador e atingiram Madeira, Açores, Cabo Verde e o Golfo da Guiné.
     Em 1487, Bartolomeu Dias cruzou o Cabo da Tormentas (Cabo da Boa Esperança) e, dez anos mais tarde, Vasco da Gama chegou a Moçambique, Melide e Calicute costa oeste das Índias.
     Quando os navios comandados por Vasco da Gama retornaram a Portugal carregados de especiarias, ficou provada a viabilidade do projeto. Os lucros foram imensos e, a partir desse momento, o Estado português passou a investir na montagem de entrepostos comerciais (feitorias) no Oriente, em Goa, Diu, Cochim. Como essas rotas e o acesso às feitorias passaram a ser controlados por Portugal, a burguesia portuguesa passou a deter o monopólio de especiarias orientais com a Europa, tornando-se extremamente rica e poderosa. O Estado português, por sua vez, conseguiu ampliar enormemente a sua arrecadação tronando-se um dos mais poderosos impérios do mundo.      Situação privilegiada que se manteve enquanto persistiu a exclusividade do comércio oriental.
     Foi nesse processo de expansão ultramarina que a frota de Pedro Alvares Cabral atingiu, em 1500, o litoral brasileiro, região que viria ganhar importância econômica para Portugal principalmente após a queda do monopólio da Índias, a partir da década de 1530.

 
Disponível em http://www.libertaria.pro.br/brasil/capitulo01_index.htm Acesso em  26 de fevereiro de 2012

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