UMA QUESTÃO DE FÉ E POLÍTICA: A IGREJA POPULAR POTIGUAR (1949-1985)
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Cardial D. Eugênio Sales fundador do Serviço de Assistência Rural e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil |
Por Cláudio Correia de Oliveira Neto
Historiador Licenciado- UFRN
Técnico de Nível Médio Integrado em Controle Ambiental- IFRN
correia.claudio@rocketmail.com
A
Igreja Potiguar na segunda metade do século XX passa por uma experiência sui
generis que modifica todo o pensamento católico. Tal mudança estava alinhada
com as ideias progressistas da Santa Sé como um todo no plano internacional. A
produção historiográfica que estuda a Igreja desse momento histórico afirma que
durante o período há a consolidação e amadurecimento da Igreja Popular
(MAINWARING,1989). Neste recorte temporal a Igreja Brasileira é apontada como a
mais progressista. Graças as experiências acumuladas no período anterior há uma
ação mais assertiva e delimitada em relação à política. O constante embate
interno entre reformistas, progressistas e conservadores no seio da Igreja que
marcou as décadas de 1950 e 1960 dá lugar a uma harmonia de forças entre os
grupos que compõem a instituição religiosa. Há também um combate explicito
entre o Regime Militar e Igreja do que o que ocorreu no período de 1964-1972. A pressão de Roma e do Conselho Episcopal
Latino-Americano (CELAM) faz com que um conjunto de teólogos brasileiros
delimitem melhor a relação da Igreja com a Política (MAINWARING,1989). A
conclusão teológica daquele momento histórico era apoiada na Doutrina Social da
Igreja, que afirmava que o papel da Igreja na Política era promover a Educação
Política das massas, ou seja, deveria encorajar a mudança e a participação
popular sem assumir o controle do processo. À medida que ocorria a abertura
política e instituições democráticas (Ordem dos Advogados do Brasil, Associação
da Impressa do Brasil e etc) se fortaleciam, dando uma polifonia contra a Ditadura,
a Igreja se envolvia menos diretamente na politica, fortalecendo a sociedade
civil.
Dentro
dos estudos sobre o Pensamento Católico
Contemporâneo e seus impactos nosso interesse é naqueles que privilegiam a
relação entre Política, fé e movimentos
sociais. As pesquisas com este enfoque foram produzidas largamente no
período de 1960-1980. Elas desejavam analisar a mudança da igreja na maneira
como se relacionava com os problemas sociais brasileiros, especialmente na
região nordeste.
Os principais pesquisadores que
trabalharam o assunto foram Scott Mainwaring, Luis Eduardo W. Wanderley,
Cândido Procópio Ferreira de Camargo e Alceu Ferrari. As abordagens mais
recorrentes na literatura produzidas pelos supracitados estudiosos são as que enfatizavam as relações sociais,
o relacionamento da igreja com a sociedade civil e a educação como instrumento
de mudança social (FERRARI,1968; CAMARGO,1971; WANDERLEY,1984;
MAINWARING,1989). Os autores que utilizaram a abordagem das relações sociais
estabeleceram análises comparadas entre comunidades que participaram e as que
não foram contempladas com a presença da igreja
popular (FERRARI,1968; CAMARGO,1971). Eles mostram o impacto que as ações
de conscientização política na
maneira como foi alterado o relacionamento entre
patrão-empregado/patrão-cliente, comunidade-políticos e pais-filhos (CAMARGO,1971).
De maneira incipiente apontam modificações do espaço físico da comunidade como
a construção de açudes, pontes, casas, escolas e outras ações de mesmo tipo
(FERRARI,1968; CAMARGO,1971).
Na
contramão de toda uma produção historiográfica que se debruça na ligação entre
Igreja e Estado a historiografia de 1960-1980 inaugura uma linha direcionada
para a dinâmica entre a sociedade civil e Igreja. Este redirecionamento ocorre
justamente no momento em que ocorreu uma restruturação na Igreja do Brasil com o
fim do padroado e começo da República (MAINWARING,1989). O afastamento entre Estado e Igreja é
diretamente proporcional a aproximação entre Igreja e Sociedade. Ao se
aproximar mais do mundano o clero percebe e sensibilizasse mais com os
problemas sociais. Está sensibilização, que atinge boa parte da cúpula
clerical, a fez ter uma postura mais voltada ao progresso social dos menos
abastados. Já na década de 1970 a Igreja
Brasileira é apontada como a mais progressista (MAINWARING,1989). O acumulo de experiência nos anos 1960 propicia
uma ação mais localizada e demarcada na
área de atuação política da Santa Sé. As disputas dentro da igreja entre os
grupos que defendiam os diferentes modelos de igreja (reformada, progressistas
e conservadora) que marcou o período de 1950-1960, foi substituída por uma
coalisão de forças entre os modelos que compõem a igreja católica apostólica
romana. Existiu também o enfrentamento direto entre a Ditadura Militar e Igreja
(1964-1972). No começo dos anos 1970 houve uma pressão da igreja internacional
por meio de Roma e do (CELAM) que fez com que os teólogos brasileiros melhor
desenhassem a fronteira que marca o envolvimento da igreja no cenário político.
A igreja popular tenta conciliar suas
ações no plano religioso e político (MAINWARING,1989). A doutrina social da
igreja compreende que a função da igreja na política era na promoção de
educação política para as classes populares, em outras palavras, deveria
estimular a participação política da população nas mudanças sociais sem que
clérigos tomem o controle ou liderança
do processo transformador da sociedade (MAINWARING,1989). Naquele momento não cabia mais o
assistencialismo da igreja na resolução dos problemas sociais, e sim que as
classes populares assumissem o protagonismo de lutar pelas mudanças na
estrutura da sociedade. As transformações sociais reverberam na maneira como o espaço geográfico é praticado e
percebido pelos seus usuários (CERTEAU, 1998).
Na
perspectiva da educação como instrumento de promoção da mudança social ocorre o
intercruzamento igreja popular,
educação popular e espaço. É dentro
dos movimentos católicos dos anos 1960 que ocorre o surgimento da educação
popular, em especial o Movimento de Educação de Base (MEB). Nesta abordagem
compreendemos que a relação entre igreja, educação popular, política e espaço possuem uma dimensionalidade nos
aspectos religiosos, sociais, políticos e pedagógicos (WANDERLEY,1984). A nova
concepção da missão da igreja entendida como a de salvador o mundo, criou para
tanto estruturas eclesiásticas de apoio aos movimentos sociais
(MAINWARING,1989). Ao ter contato com novos conhecimentos ocorre uma
modificação na maneira como a comunidade ver a si e o espaço em que vive (WANDERLEY,1984).
A
historiografia dedicada a investigação dos impactos da igreja popular sobre as
comunidades dela participes se restringem apenas a fase de surgimento da igreja popular (1964-1973), isto porque
os seus objetos de estudo, Movimento de Natal e MEB, são duramente perseguidos
pelo Regime Militar até serem eliminadas (CAMARGO,1971; FERRARI,1968;
WANDERLEY,1984). Contudo não é neste momento que cessar o movimento da igreja popular, muito pelo contrário é a
partir dessas experiências iniciais que ocorre uma desenvolvimento dela e até
mesmo a ampliação da sua presença na comunidade (MAINWARING,1989). Então para
melhor compreender as transformações processadas no espaço físico das comunidades participantes deste modelo de igreja
(MAINWARING,1989) é necessário concentrar os estudos na sua atuação no período
de 1970, destacando uma das suas ações, como é o caso do Programa de Educação
Política da Diocese de Natal no período de 1972-1977. A literatura não
contempla uma perspectiva que enfatize o protagonismo das comunidades, tendo em
vista que elas tem um conjunto de interesses autônomos distintos da igreja popular e do Estado inclusive
relativo ao espaço (WANDERLEY,1984). As interpretações disponíveis na
bibliografia não dão conta de mostrar com a
igreja popular lhe dava com as apropriações heterodoxas que os
participantes fazem dos novos conhecimentos que são apresentados a comunidade
(WANDERLEY,1984).
As
obras que retratem a questão da igreja
popular são intimamente ligadas a perseguição sofrida pelos autores durante
o Regime Militar brasileiro, que escamoteou os avanços progressistas, levando a
um verdadeiro retrocesso e dificultando a produção intelectual sobre o período.
Livros foram queimados em sua maioria, os poucos exemplares restantes foram
salvos clandestinamente. Há relatos sobre documentações que foram quase que
completamente destruída. Produções que só estão sendo publicados agora, graças
aos esforços da Comissão da Verdade, que entre seus objetivos tem o de resgatar
a memória do período da Ditadura Militar no Brasil. Todas as obras aqui
discutidas são tentativas e resistência ao esquecimento das transformações
sociais que o Brasil passou na década 1960 impulsionado pela Igreja Popular que
estava surgindo. Compreender como o Pensamento Católico Contemporâneo
transformou as comunidades se enquadra dentro destes esforços de denunciar o
retrocesso causado pela Ditadura Militar e as consequências disso na atual conjuntura
política. É pensar paralelamente como a Igreja no século XX ofereceu
resistência ao conservadorismo e como nós da atualidade resistiremos ao avanço
das nefastas ondas conservadoras que assola o mundo, em especial o Brasil.
A
relação entre o Pensamento Católico
Contemporâneo e seus desdobramentos deve
considerar as mudanças nas relações sociais (CAMARGO,1971); a interação entre igreja popular e sociedade civil (MAINWARING,1989);
os aspectos religiosos, sociais, político-pedagógicos (WANDERLEY,1984).
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