FACEBOOK: DA PESQUISA HISTÓRICA AO ENSINO DE HISTÓRIA

Por Cláudio Correia de Oliveira Neto
Tanto a Memória e quanto a História não são neutras, relações de poder e interesses diversos transpassam os seus usos e abusos. Elas são usadas das mais variadas formas para os mais variados fins. Elas podem mobilizar uma nação em prol de uma ideia, um sonho, um ideal seja de união ou segregação. A Memória e a História podem ser usadas tanto para a obtenção de paz e tolerância quanto para a guerra e a intolerância. Os Regimes Totalitários da primeira metade do século XX são exemplos claros dos maus usos da Memória e da História, quando eles constroem narrativas que permitem considerar inteiramente normal o extermínio de vidas humanas por mera intolerância. Em pleno século XXI ainda existem grupos extremistas que usam e abusam da Memória e da História. Eles propagam suas ideias por meio de postagens nas mais diversas redes sociais, entre elas o Facebook. São postagens algumas vezes engraçadas e aparentemente ingênuas que quando analisadas a fundo mostram os interesses desses grupos. A metodologia da história é uma  arma poderosa para denunciar esses interesses. O Objetivo desse artigo é expor os resultados da oficina que pretendeu treinar os alunos a usar o método histórico para reconhecer os interesses por trás das postagens.
Palavras-chaves: Facebook. História. Didática da História.

            As novas tecnologias da informação e comunicação (NTICs) tem se feito presente nas escolas e salas de aula de todo o país, uma verdadeira invasão, “uma mal / um bem necessário” dirão alguns.  O uso das NTICs na educação pode ser sintetizado como elemento de atração para as aulas e seus conteúdos, ou seja, facilitadores da aprendizagem. As NTICs possuem uma áurea messiânica, como se o seu simples uso garantisse uma qualidade na educação. Professores correm para acompanhar o frenético ritmo da NTICs , e quanto mais aceleram menos vão para frente. É mais eficaz investir em reflexões sobre as reais implicações da NTICs do que usá-las indiscriminadamente.
            O presente trabalho se baseia justamente nessa ideia de não instrumentalização para o uso das NTICs, mas sim uma reflexão epistemológica acerca de seu uso cotidiano. O facebook não é tomado como ferramenta, mas como objeto de investigação a ser problematizado e repensado. É mais importante que o aluno possa perceber a relação saber-poder presente nas NTICs.
            Na era das NTICs o Historiador deve considerar que, embora o conhecimento histórico acadêmico seja a principal referência para pensar historicamente da sociedade temos que reconhecer que ele não é o único. A educação histórica ultrapassa os muros da escola e a relação professor – aluno, ela passa pelo meio em que o aluno e o professor vivem os conhecimentos e opiniões que circulam em suas família, na igreja ou outras instituições que estão associados e nos meios de comunicação aos quais têm acesso. Para Cerri:

[...] a necessidade de pensar e pesquisar os conhecimentos históricos em todo o tecido social, e as inter-relações que promovem entre si e o conhecimento erudito ou o escolar. Para a própria metodologia do ensino é saudável essa perspectiva, de modo a compreender a educação histórica como um processo que não pode ser encarado como dentro da redoma da sala de aula.  (Cerri,2001:110)

Esse tipo de investigação sobre a narrativa histórica produzida fora do circuito historiográfico e suas implicações na construção do passado e jogo de interesses do presente em relação a um futuro projetado se encontra dentro da Didática da História Pública. Saddi define a Didática da História Pública como:

A área que denominamos de ‘Usos Públicos da História’ ou ‘didática da história pública’ é aquela que se dedica aos elementos extracientíficos e extraescolares da consciência histórica. Ela atua na investigação da consciência histórica produzida nos meios de comunicação de massa (revistas, jornais, televisão, cinema, propagandas, sites), bem como nos discursos políticos (a partir das produções narrativas dos partidos políticos, dos diferentes órgãos do Estado) e também nas instituições culturais e religiosas (tais como igrejas de diferentes tipos, institutos de culturas, museus etc)  (SADDI, 2012: 217)

            Na aplicação da Didática da História Pública para a Didática da História Escolar o enfoque maior é no método histórico do que no conteúdo o que se justifica por:

“De posse dos rudimentos do método histórico, a leitura de mundo que o sujeito faz é muito mais clara e autônoma. Por essa razão há quem diga que, no ensino de história, o mais importante não é estudar conteúdos em si, mas o método, a forma de pensar, produzir e criticar o saber sobre os seres humanos no tempo” (CERRI,2011:65)
            Essa postura beneficia o alunado na medida em que:

“O método histórico esquadrinha os sujeitos, suas ligações sociais, suas intenções e interesses em jogo, para entender a informação que cada um deles traz, e assim, dimensiona-la corretamente e relativiza-la. Se o nosso aluno poder fazer isso e identificar pessoas e interesses por trás de reportagens, processos históricos, ações governamentais, a história terá cumprido outra de suas funções educativas” (CERRI, 2011:116)

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Tanto a Memória e quanto a História não são neutras, relações de poder e interesses diversos transpassam os seus usos e abusos. Elas são usadas das mais variadas formas para os mais variados fins. Elas podem mobilizar uma nação em prol de uma ideia, um sonho, um ideal seja de união ou segregação. A Memória e a História podem ser usadas tanto para a obtenção de paz e tolerância quanto para a guerra e a intolerância. Os Regimes Totalitários da primeira metade do século XX são exemplos claros dos maus usos da Memória e da História, quando eles constroem narrativas que permitem considerar inteiramente normal o extermínio de vidas humanas por mera intolerância. Em pleno século XXI ainda existem grupos extremistas que usam e abusam da Memória e da História. Eles propagam suas ideias por meio de postagens nas mais diversas redes sociais, entre elas o Facebook. São postagens algumas vezes engraçadas e aparentemente ingênuas que quando analisadas a fundo mostram os interesses desses grupos. A metodologia da história é uma arma poderosa para denunciar esses interesses.

É esta fundamentação teórica que guiou a oficina de aprendizagem realizada na turma da terceira série do ensino médio da Escola Estadual Peregrino Junior, na zona norte de Natal, bairro Santa Catarina. A oficina tinha como título “Os usos e abusos da Memória e da História: uma abordagem a partir das postagens do facebook” e objetivava treiná-los para reconhecer os interesses por trás das postagens. Foram selecionadas oito postagens relacionadas às discussões anteriores sobre memória, história, poder, representações sobre a democracia e Golpe Civil Militar de 1964. O primeiro passo foi à leitura do texto introdutório que contextualiza as postagens do facebook como representações do passado. A discussão seguinte vai exemplificar por meio da figura 02 as dimensões temporais da narrativa e a construção da identidade. Ao narrar uma história elencamos personagens, organizamos uma sequencia narrativa e passamos uma mensagem de valor moral. Cada uma ao seu jeito faz isso, mas tanto a construção ficcional quanto a histórica tecem uma identidade. Na identidade temos minimamente três dimensões temporais interligadas por um conjunto de interesses, que de forma genérica chamamos de políticos, o passado de referencia, o presente organizador e o futuro projetado. É a demanda do presente que organiza e orienta o futuro projetado seja em escala local ou global. Mas o futuro projetado só pode ser sustentado e legitimado por u passado que lhe dê referencias de ruptura e continuidades. Este passado referenciado embora contenha elementos ficcionais ele não pode ser inteiramente criado, mas apenas fabricado a partir do já existente e reelaborado continuamente dependendo dos interesses políticos do presente organizador. Podemos assim representar este pensamento:
Figura 01 Esquema da relação da Narrativa Histórica e Identidade

A partir daquele momento os alunos tinham que a cada postagem identificar: os personagens, a sequência narrativa, a mensagem de valor moral, o passado de referência, o presente organizador e o futuro projetado. O trabalho foi feito coletivamente e quando a turma travava na interpretação eram lançadas perguntas norteadoras. Algumas postagens já eram conhecidas pelos alunos o que ajudava na interpretação e na cooperação coletiva, com trocas de hipóteses e outras possibilidades de interpretar. O fato de ser usado algo tão cotidiano e ser uma aplicação prática de um conhecimento, que até aquele momento era tido como inútil e mero acessório, houve um envolvimento e interesse significativo. As NTICs não foram o elemento atrativo da aula, o que atraiu foi a possibilidade de analisar, interpretar e refletir sobre os usos e abusos dessas NTICs.
            Os resultados obtidos foram satisfatórios tendo em vista que os alunos conseguiram esquadrinhar as ligações, os interesses, os sujeitos. Apropriaram-se do método histórico e aplicaram a sua realidade. A construção de significado de sentido histórico para aquela atividade possibilitou resultados tão eficazes. Isso só pode ser alcançado mediante a consciência de que a Didática da História não é uma área de pesquisa distante do Historiador, mas está contida dentro das fronteiras da História e da intersecção com as ciências afins como, por exemplo, a pedagogia. A produção do conhecimento histórico na pesquisa e a pesquisa – ação desenvolvida na sala de aula possuem uma série de aproximações, podemos dizer o que os que diferenciam são os ambientes de produção e os públicos ao quais se destinam, o que resulta em produtos em linguagens diferentes, enquanto o meio acadêmico produz artigos para seus pares o meio escolar produz material didático para sua clientela. 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CERRI, Luís Fernando. Os conceitos de consciência histórica e os desafios da didática da História. Paraná. Revista de História Regional, v. 6,  n.2,  p. 93-112, Inverno 2001.

CERRI, Luís Fernando. Ensino de história e consciência histórica. Rio de Janeiro: Editora FGV,2011. (Coleção FGV de bolso. Série Histórica).

RÜSEN, Jörn. Didática da História: passado, presente e perspectiva a partir do caso alemão. Práxis Educativa. Ponta Grossa: Paraná, v.1, n.2, p. 7 – 16, jul.- dez. 2006.

SADDI, Rafael. O parafuso da didática da história: o objeto de pesquisa e o campo de investigação de uma didática da história ampliada. Acta Scientiarum. Education. Maringá, v. 34, n. 2, p. 211-220, July-Dec., 2012.



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