“Isso é coisa de mestrado!”

Por Cláudio Correia de Oliveira Neto
Historiador Licenciando e Técnico de Nível Médio Integrado em Controle Ambiental

OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Os desafios de formação para a docência dos profissionais de História. 2013.p.14.


Em pleno corredor do setor de aulas II da Universidade Federal do Rio Grande do Norte as seguintes palavras de ordem foram grafitas “desescolarize-se.” Esse pedido parece ter muito a falar sobre os silêncios impostos no jogo de saber-poder que ocorre na academia. De certo que a Escola e a Universidade têm suas aproximações e afastamentos. A Universidade se pretende uma formadora de profissionais e produtora de conhecimento. A Escola por sua fez se pretende formadora de cidadãos e produtora de certo conhecimento, que alguns membros da Universidade desconsideram, pois erroneamente julgam que o espaço escolar é um mero reprodutor do conhecimento universitário. Todavia não é leviana a afirmação que ambas cometem um erro em comum, subjugam a capacidade de produção de seus alunos.
O texto produzido pela professora Margarida Dias aponta a passividade em que os alunos são postos e que se deixam botar. O texto levanta algumas incomodas perguntas: Como se formarão historiadores que raramente tem a experiência de produzir conhecimento histórico? Como poderão ser protagonistas se a condição de sujeito lhe é negada repetidas vezes? Como desescolarizar a Universidade, em especial o curso de História?
É sabido que a falta de exercício físico pode causar um grave problema muscular, uma atrofia. Creio que o mesmo risco sofre aquele historiador que não exercita produzir conhecimento histórico. Ao invés de formar Historiadores Licenciados esse sedentarismo intelectual formara meros Graduados em História.
Cabe aqui fazer uma distinção que observo e sempre faço questão de explicitar entre um Graduando em História e um Historiador Licenciando. O Graduando em História é o individuo no Curso de História que limitasse as atividades pontuais para a obtenção do título, podendo até ser um ótimo aluno do ponto de vista das notas recebidas, todavia ele não está exercitando a produção de conhecimento histórico. O Historiador Licenciando por sua vez é o individuo no Curso de História que vai para além das atividades pontuais, e busca, mesmo com todos os desafios que a sua formação apresenta e infelizmente em sua maioria empecilhos criados pelo próprio curso, exercitar a produção de conhecimento histórico. De fato o próprio curso deveria estimular os Historiadores Licenciandos. No entanto há uma visão de que aluno da graduação não pode produzir, e quando consegue produzir tem dificuldades de divulgar os resultados de seus trabalhos fazem.
Minha experiência no Curso de História pode muito bem exemplificar o caso. Não foram raras às vezes em que apresentei a diversos professores minhas propostas de pesquisas, meus artigos já escritos e ainda não publicados e ouvir repetidas vezes a irritante resposta de que: “Isso é coisa de mestrado!” O absurdo de convencer a professores que alunos da graduação são Sujeitos Produtores de Conhecimentos de Excelente Qualidade e que merecem ter espaço na Universidade para discutirem e divulgarem seus trabalhos. Algo que deveria ser habitual é visto com anormalidade, no sentido pejorativo da palavra.
Um ponto importantíssimo do artigo lido em sala de aula é a chamada para a produção escrita. Embora tenhamos a oralidade como uma importante ferramenta de trabalho, se faz necessária a escrita para sistematizar o conhecimento e refletir sobre ele. A escrita não é apenas para comunicar algo ao leitor, ela é principalmente descobrir sobre si. Não é relatar vivências apenas, mas através dela explorar os mundos que nos cercam. Escrever é materializar ideias de tal forma que o autor possa degusta-las. Nesse instante que estou aqui escrevendo exercito um monologo que me faz ver e pensar, rever e repensar uma série de conceitos, significados e conhecimentos que vão produzindo luz de inteligibilidade e atraentes trevas de ignorância que me empurram eu não sei para onde. Escrever é caminhar devagar pelo caminho de sempre e ir descobrindo coisas novas, que podem já estar ali há algum tempo, mas que pela pressa do falar você nunca tinha reparado antes.
A autora em uma de suas notas de rodapé levanta uma discussão bastante interessante, “o diálogo com os públicos para além do texto acadêmico”. A necessidade da Ciência Histórica se apropriar de outros estilos narrativos para atingir novos públicos é o tema central do meu artigo ainda não publicado (os professores aos qual o artigo foi entregue ou não deram feedback ou categorizaram como “isso é coisa de mestrado”). Em “Das angústias de um romance: entre literatura e história” discuto sobre como aproximações com a narrativa literária podem enriquecer a História e fazer com que o papel social da História seja efetivado. É muito surreal produzir conhecimento histórico sobre quilombolas e nenhum quilombola vai lê-lo, por vários motivos entre eles o estilo narrativo da História que entrava e afasta um público mais abrangente.
A autora coloca que o sentido do ensino só existe quando pensado a partir do aluno. No Ensino Superior há um fator ainda mais significativo, não só pensar a partir do aluno como também pensar com o aluno. Para desescolarizar as graduações em História tem que colocar o aluno no local que lhe é de direito, o lugar de profissional em formação que é Sujeito produtivo de saberes significativo.
O artigo poderia ser enriquecido com produções de Historiadores Licenciandos, em um mosaico de visões sobre os desafios de formação para a docência dos profissionais de História. Assim além de uma discussão sobre o assunto, o que é evidentemente importante, haveria também uma ação ativa.  Apresentasse a proposta do artigo e simultaneamente mostra que não é apenas uma ideia, mas uma prática possível, do qual o próprio artigo é prova cabal.
É necessário evidenciar que o chamado para o enfrentamento da situação das Licenciaturas em História é dirigido não apenas aos professores universitários, mas a toda a comunidade de Historiadores formados ou em formação. Talvez esse seja o caminho para a mudança efetiva que só é possível com a coletividade.
Para encerrar, ou melhor, para não encerrar quero deixar apenas uma questão a mais em aberto: qual a nossa parcela de responsabilidade culpa nessa situação das Licenciaturas em História hoje?


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS: UM QUADRO RESUMO

SHOPENHAUER, A ARTE DE TER RAZÃO E A PÓS-VERDADE NA ERA DIGITAL

A CORRUPÇÃO NOSSA DE CADA DIA QUE NOS DAMOS HOJE - A BANALIDADE DA CORRUPÇÃO NO BRASIL